quinta-feira, janeiro 29, 2004

Contos do Oriente e Cenas Assim Mega Zen

Num dia de mercado, Iruki o cesteiro escoou o seu lote de cestos mais rapidamente do que era costume. Passeava-se um pouco ocioso entre os vendedores, quando reparou num mercador chinês, que com frequência tinha estranhos objectos para vender:
" Aproxima-te, Iruki, disse o mercador, tenho aqui uma coisa extraordinária." E, com um ar de mistério, retirou duma caixa um objecto redondo e plano, coberto por um pano de veludo azul. Colocou-o nas mãos de Iruki e, com precaução, fez deslizar o tecido. Iruki debruçou-se sobre uma superfície polida e brilhante. Aí reconheceu a imagem do pai, tal como tinha sido no tempo da sua juventude. Emocionado, exclamou:
"Este objecto é mágico! - Sim, disse o mercador, chama-se a isto um espelho, e é de grande valor!"
Mas a febre tinha-se apossado de Iruki: "Ofereço-te tudo o que tenho, disse ele. Quero este "espelho mágico" para levar para casa a imagem do meu bem amado pai."
Depois de longa negociação, Iruku entregou ao mercador toda a sua receita da manhã.
Logo ao regressar a casa, Iruki dirigiu-se ao sotão e escondeu a imagem do pai num baú. Nos dias seguintes, eclipsava-se, subia ao sotão, retirava o "espelho mágico" do baú; ficava longos momentos a comtemplara imagem venerada, e era feliz. A sua mulher não tardou a notar o estranho comportamento.
Uma tarde, quando abandonou um cesto a meio entraçar, ela seguiu-o. Viu-o subir ao sotão, rebuscar num baú, tirar de lá um objecto desconhecido, olhá-lo longamente com um misterioso semblante de prazer. Voltou depois a tapar o objecto com um pano de veludo azul e guardou-o com gestos carinhosos. Intrigada, ela esperou que ele fosse embora, abriu por sua vez o baú, descobriu o objecto, retirou o pano de veludo azul, olhou e viu: "Uma mulher!" Furiosa, desceu e apostrofou o marido:
"Com que então, atraiçoas-me indo contemplar uma mulher dez vezes por dia!
- Claro que não! exclamou Iruki, não te quis falar nisso poeque tu não gostavas nada do meu pai, mas é a imagem dele que vou ver, e isso acalma o meu coração.
- Miserável mentiroso!, vociferou a mulher. Eu vi o que vi! Foi uma mulher que tu escondeste no sotão!
- Asseguro-te..."
A discussão azedava, estava infernal, quando um sacerdote mendicamente apareceu á porta. O casal solicitou o seu arbítrio. O sacerdote subiu ao sotão, voltou:
"È um sacerdote, um representante de Deus!"...disse.


" Toda a infelicidade dos homens advém de que eles não vivem no mundo, mas no seu mundo."

Heráclito in "Os Melhores Contos Zen"